DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - n. zero  dez/99                            ARTIGO 04

O círculo vicioso que prende os periódicos nacionais
The vicious circle in which national periodicals are trapped
por Suzana P. M. Mueller


Resumo: Os periódicos científicos publicados pelos países que não estão na fronteira do desenvolvimento da ciência e não têm o inglês como língua nacional não têm o prestígio de um periódico de primeira linha. Mesmo que sejam incluídos nos periódicos de resumo da área em que publicam, não conseguem entrar no círculo de periódicos regularmente analisados pelos prestigiosos índices de citação. Às vezes seus problemas refletem problemas nacionais de estabilidade política e financeira [1]. Muitos são publicados de forma semi amadora e têm um esquema de distribuição deficiente. Freqüentemente apresentam irregularidades na periodicidade e morrem com facilidade. Desconfia-se que sejam, em geral, pouco lidos e pouco citados. A distribuição desses periódicos é freqüentemente deficiente. O maior programa de apoio às bibliotecas universitárias de universidades federais, mantido pela CAPES, incluem apenas títulos estrangeiros, isto é, não há apoio regular para compra de periódicos brasileiros, e o resultado são coleções deficientes, dependentes de sistemas de permuta e doações. Qual é então a função desses periódicos? Este artigo, que pretende fazer uma reflexão sobre o problema, foi motivado por resultados ainda parciais de um levantamento sobre a incidência de citações de artigos brasileiros feitas por autores que publicam em revistas nacionais.
Palavras Chave: Periódicos científicos, Periódicos nacionais, Índices de Citações, Informação Científica, Publicação

Abstract: Scientific periodicals published by the less developed countries and which do not have English as national language have to face many barriers. Even when included in international databases, they are usually unable to break into the circle of those titles regularly analyzed by the most prestigious citation indexes. Sometimes they reflect problems of national political and economic stability. They are often amateurish in production, and have a poor distribution scheme, are not regular and dye easily. They are probably not widely read, nor are they the first choice of authors, if there is a better, international chance. What are they good for? This article reports on a survey, still in progress, of citations done by articles published by one Brazilian periodical, which aims to verify whether the national output is read and cited by Brazilian authors and results may contradict some of these notions. It points the to electronic version as a solution which would help overcome some of the difficulties encountered to break the vicious circle in which national periodicals are trapped.
Keywords: Scientific Periodicals, Scientific Papers, National Periodicals, Citation Indexes, Scientific Information, Publishing
 

Introdução
Os periódicos científicos publicados pelos países que não estão na fronteira do desenvolvimento da ciência e não têm o inglês como língua nacional não têm o prestígio de um periódico de primeira linha. Mesmo que sejam incluídos nos periódicos de resumo da área em que publicam, não conseguem entrar no círculo de periódicos regularmente analisados pelos prestigiosos índices de citação. Às vezes seus problemas refletem problemas nacionais de estabilidade política e financeira [1]. Muitos são publicados de forma semi-amadora e têm um esquema de distribuição deficiente. Freqüentemente apresentam irregularidades na periodicidade e morrem com facilidade. Alguns incluem artigos de qualidade e interesse para o país, embora talvez não interessassem a comunidade científica internacional, mas outros são muito irregulares em seus critérios de seleção. Por isso mesmo, muitos deles talvez sejam segunda ou terceira escolha dos autores que neles publicam (depois de serem recusados por periódicos internacionais), ou simplesmente atraem artigos que de qualquer forma não teriam chance de ser publicados nos periódicos ditos internacionais. Desconfia-se que sejam, em geral, pouco lidos e pouco citados. Apesar disso, são importantes para divulgar os resultados das pesquisas e as idéias dos autores nacionais, especialmente porque seriam, pelo menos em tese, acessíveis tanto pela língua quanto pela facilidade de obtenção. No entanto, a distribuição desses periódicos é freqüentemente deficiente. O maior programa de apoio às bibliotecas universitárias de universidades federais, mantido pela CAPES, incluem apenas títulos estrangeiros, isto é, não há apoio regular para compra de periódicos brasileiros, e o resultado são coleções deficientes, dependentes de sistemas de permuta e doações. Qual é então a função desses periódicos? Este artigo, que pretende fazer uma reflexão sobre o problema, foi motivado por resultados ainda parciais de um levantamento sobre a incidência de citações de artigos brasileiros feitas por autores que publicam em revistas nacionais. Parte do papel que é atribuído ao periódico científico na construção da ciência, discute alguns dos problemas específicos dos periódico brasileiros, para então, sobre esse pano de fundo, sugerir uma solução.

O papel do periódico científico na construção da ciência e o problema dos países periféricos
O periódico científico tem sido objeto de muitos estudos, motivados pelo papel que representa na construção do conhecimento científico. Quatro funções são geralmente atribuídas ao periódico científico: estabelecimento da ciência "certificada", i.e., do conhecimento que recebeu o aval da comunidade científica, canal de comunicação entre os cientistas e de divulgação mais ampla da ciência, arquivo ou memória científica, e registro da autoria da descoberta científica. Apesar das transformações recentes nos meios de comunicação, essas funções não se alteraram.
Os estudos sobre periódicos científicos focalizam aspectos diversos, conforme os objetivos a que se propõem. Alguns se referem ao periódico de maneira geral, tais como os estudos que relatam o aparecimento e o desenvolvimento do periódico científico como meio de comunicação científica, ou focalizam o periódico em contraposição a outros meios de comunicação científica. São exemplos desse tipo de estudo os trabalhos de Houghton (1975), Kronick (1976), King,  MacDonald, & Rodere(1981), McKie  (1948, 1979), Meadows (1979).
Outro grupo significativo de estudos sobre periódicos se interessa pela sua avaliação, tendo como premissa a sua representatividade da ciência e como unidade de estudo os próprios periódicos, os autores, o artigo, as citações ou referência bibliográficas aos seus artigos ou por eles referidas, o uso registrado nas bibliotecas ou serviços de acesso, ou a opinião de usuários sobre eles. São geralmente realizados tendo como base títulos específicos e identificados. Os periódicos e artigos neles publicados são usados como indicadores do desenvolvimento científico de um país ou região ou do estágio de desenvolvimento de uma área do saber. São também indicadores do desempenho individual de um cientista ou instituição de pesquisa, reforçando certas especificidades da comunidade científica, freqüentemente  relacionadas com seu sistema de reconhecimento e prêmios [2]. O periódico em que o artigo científico é publicado se torna um ponto chave em qualquer carreira científica, pois condiciona as chances da ocorrência de citações a esse artigo. Citações são indicadores reconhecidos de prestígio de seu autor, e prestígio é moeda forte na comunidade científica. Muitos estudos já demonstraram que um dos estímulo mais eficientes para publicar está na busca pelo reconhecimento científico.
Ora, há aí um círculo vicioso, uma evidência clara do princípio de Mateus [3]: para ser lido e citado, um artigo precisa ser encontrado pelo leitor. Os instrumentos de busca são os índices e periódicos de resumo ou bases de dados bibliográficas especializadas. Mas apenas os periódicos mais prestigiosos são sistematicamente analisados e incluídos nos índices e periódicos de resumo e nos índices de citação internacionais. Entre estes últimos, são especialmente importantes os índices que compõem a série publicada pela Institute for Scienctific Information, ISI, um firma comercial baseada na Philadelphia, Estados Unidos: Science Citation Index, SCI, e Social Science Citation Index, SSCI. Essas bases de dados, adotadas internacionalmente como fonte de referência para medir citações e impacto de artigos, autores e títulos, incluem apenas uma percentagem muito pequena de títulos provenientes dos países em desenvolvimento. Segundo Gibbs (1995), o SCI lista artigos que foram publicados em cerca de 3.300 revistas científicas selecionados dentre os mais de 70000 publicados no mundo inteiro. Desses, a percentagem de títulos provenientes dos Estados Unidos (dados de 1994) era de 30,814%, enquanto a do Brasil teria, naquela época, 0,646%. A inclusão de um periódico  nos índices da ISI e em outras bases de dados internacionais garante aos artigos nele publicados a visibilidade necessária para serem encontrados nas buscas por literatura recente, aumentando a chance de serem lidos e citados. Os periódicos mais citados se tornam cada vez mais lidos e citados, atraindo mais bons autores, enquanto os periódicos que estão fora desse núcleo de elite têm acesso cada vez mais difícil aos índices de citação e de análise, e são portanto menos lidos e menos citados, num círculo vicioso. Assim, muitos desses periódicos não integrantes da elite entram em agonia e morrem logo, sem condições de sobrevivência tanto por falta de bons artigos como por falta de suporte financeiro. Outros, que conseguem atrair bons artigos e manter sua periodicidade em dia, não recebem o reconhecimento nem produzem o impacto que mereceriam.
Os periódicos integrantes do núcleo da elite refletem a ciência produzida nos grandes centros produtores de conhecimento científico e seus artigos são geralmente escritos em inglês, a língua científica atual. Os periódicos produzidos nos países que estão na periferia da produção científica, por outro lado, não conseguem a penetração que garantiria a sua visibilidade internacional. Contudo, esses periódicos desempenham função importante em seus países, e a qualidade de seus artigos não é necessariamente inferior. Como apontou Gibbs (1995), a quase invisibilidade das nações menos desenvolvidas no cenário científico internacional talvez reflita mais aspectos econômicos e viéses de interesses das editoras científicas do que propriamente a qualidade real da pesquisa nesses países. (p.76) .

Os Periódicos Brasileiros
A ciência brasileira se reflete nos periódicos que edita, mas apenas em parte. Como em todo o mundo, os cientistas e estudiosos brasileiros também dão prioridade aos periódicos de maior prestígio e circulação para enviar os seus manuscritos. Isto é, aos periódicos internacionais. No cenário brasileiro, o conjunto de títulos do que consideramos periódicos científicos não apresenta uma imagem homogênea. Embora haja periódicos que vêm sendo editados de maneira regular há décadas [4], muitos foram vítimas da síndrome dos três fascículos. Entre esses dois extremos se situam muitos outros, freqüentemente irregulares, às vezes acumulando fascículos em uma só edição após períodos de ausência., editados por universidades, departamentos acadêmicos e outras entidades. Hoyos (1985) afirmou em 1985 que o número de periódicos então publicados no Brasil que poderiam ser considerados de nível internacional, isto é, que tivessem periodicidade regular, critérios de seleção de artigos compatíveis com normas internacionais e que não privilegiassem autores da própria instituição responsável pela publicação, entre outras características, não chegava a 100. Apesar da data de seu estudo, não há evidências de melhoria nessa situação.
 Em outro estudo muito interessante, Valério (1984) realizou estudo sobre 17 periódicos científicos brasileiros que receberam financiamento da FINEP entre 1983/4 e 1988. Entre os critérios para inclusão na sua amostra figurava ter o periódico selecionando permanecido no programa da FINEP por pelo menos cinco anos. Outro critério era a distribuição por área do saber - a autora tentou obter uma amostra que fosse representativa de todas as áreas. Mas a observância ao primeiro critério - tempo -  impossibilitou a inclusão de periódicos nas áreas de Ciências Sociais Aplicadas, pois não encontrou nenhum título que se qualificasse. Também não incluiu periódicos das áreas de Letras, Lingüística e Artes, por não terem essas áreas recebido financiamento no período estudado. Esses fatos mostram outra faceta de nossa literatura científica e tecnológica, a desigualdade nas oportunidades de financiamento, apesar da conhecida dependência dos periódicos nacionais de financiamento público. (Furtado 1982)
 O financiamento é uma questão delicada. Valério (1994) nota em seu trabalho que a dependência dos títulos que recebiam financiamento da FINEP era inquestionável, embora para uns essa dependência se relacionava com a manutenção da regularidade de publicação, enquanto para outros significava sobrevivência. Mas, para a grande maioria de títulos que não estão incluídos em programas de financiamento regulares e lutam para editar cada fascículo, obter as condições para qualificar-se ao financiamento não é tarefa fácil. Um periódico científico será considerado bom na medida em que publica bons artigos, mantém periodicidade regular e é facilmente obtido. Essas características são dependentes umas das outras, formando um círculo vicioso já mencionado, difícil de romper: a afluência de bons artigos, isto é, as razões que motivam autores mais conceituados a escolherem um determinado periódico para mandar seu manuscrito, é conseqüência da regularidade da publicação e facilidade de acesso por leitores interessados. Qualidade de artigos, regularidade na publicação e facilidade de acesso permitem ao periódico ser incluído em bases de dados internacionais e aumentar a sua visibilidade. A visibilidade aumenta as chances de citação. O financiamento é mais acessível aos periódicos que publicam bons artigos, indexados e citados, ou seja, que têm boa reputação. A boa reputação se mantém com o rigor da seleção dos artigos. O rigor da seleção só pode ser aplicado onde há boa afluência de artigos. Mas a boa afluência de artigos depende de todo o resto...
 A questão do acesso, isto é, da distribuição, é outro ponto importante em que os periódicos nacionais são muito deficientes. De nada adianta a edição de fascículos primorosos se estes não chegam a ser lidos, se a comunidade científica não toma conhecimento de sua existência ou não consegue ter acesso aos seus conteúdos. Os periódicos científicos brasileiros são em sua maioria publicados por universidades e outras entidades acadêmicas ou de pesquisa, e não almejam exatamente lucro, mas o prestígio. No entanto, há gastos a serem cobertos, especialmente relacionados com a produção física dos fascículos. Dificilmente as assinaturas individuais apenas seriam suficientes para a sua sobrevivência. As próprias bibliotecas universitárias, compradoras ideais, têm dificuldades em renovar suas assinaturas a cada ano e freqüentemente apresentam furos em sua coleções. Essas bibliotecas dependem de financiamento especial para manterem-se atualizadas mas nota-se aí um paradoxo: as políticas de incentivo à pesquisa mantidos pelas agências CNPq e a CAPES têm tido papel importante na formação de pesquisadores doando bolsas de estudos e depois financiando suas pesquisas com bolsas e verbas especiais. Por meio de outros programas, financiam ainda, junto com órgãos como a FINEP, a produção de periódicos que irão publicar as pesquisas. Mas se negam a financiar a compra desses periódicos pelas bibliotecas universitárias, deixando assim incompleto o ciclo de formação de pessoal, produção de pesquisa e divulgação de resultados. Sem disseminação não há a retroalimentação necessária ao crescimento. E sem leitura, o periódico morre, a pesquisa não repercute, o autor não se desenvolve.
 Nesse ponto uma pergunta incômoda emerge - para que servem, então, os periódicos nacionais, especialmente os da área de ciências humanas que parecem ser os que mais sofrem de todas as mazelas apontadas? Essa pergunta motivou a elaboração de um levantamento, ainda em execução, sobre os periódicos nacionais, desdobrada em outras tais como: os artigos publicados em periódicos nacionais são lidos e citados por outros autores que publicam em periódicos nacionais? Em que medida nossos autores citam nossos periódicos quando se compara às citações a periódicos estrangeiros? E quando a comparação é feita com fontes não periódicas, nacionais e estrangeiras?
O levantamento [5] pretende, ao responder as questões relacionadas com a origem e incidência das citações feitas pelos autores em seus artigos, obter indicadores do papel desempenhado pelos periódicos e do aproveitamento da pesquisa nacional. Os dados que serão expostos a seguir referem-se a área de Economia e a um título apenas, a REVISTA DE ECONOMIA POLÍTICA, e devem ser considerados apenas indicativos de uma tendência que poderá ou não se confirmar após a coleta mais ampla. São apenas descritivos de cada variável comentada, não tendo sido realizadas ainda nenhuma tentativa de relacionamento entre elas, mas servem ao propósito deste artigo, pois vislumbram tendências muito interessantes.
Foram examinados quatro anos do periódico, volumes 15 a 18 ou 16 fascículos, que publicaram o total de 138 artigos. Foram anotadas 3383 citações,.  A quantidade de citações por artigo variou bastante: num extremo da curva foram registrados dois artigos sem citação e um artigo com apenas uma citação e no outro extremo dois artigos com mais de 100 (107 e e109 )citações, mas o pico foi observado entre 8 e 25 citações por artigo. O numero de páginas por artigo mais freqüente na Revista de Economia Política no período estudado ficou entre 14 e 16 páginas, com 32 (23,2%) artigos entre os 138 analisados, confirmando o que diz a literatura sobre a extensão dos artigos das áreas sociais e humanas. Outra característica interessante é a autoria única, comum a 74,6% dos artigos (103) enquanto artigos com dois autores somaram 33 (23,9 %) e artigos com 3 autores, no conjunto estudado, apenas 2 (1,4%).
Mas o dado que interessa para a questão discutida aqui é o tipo de citação mais freqüente. Os resultados do levantamento foram os seguintes:
 
Tipo de citação
Freqüência 
%
Livro estrangeiro [6]
1461
43,2
Periódico estrangeiro
859
25,4
Livro nacional
405
12
Relatórios, boletins e outras publicações do gênero
279
8,2
Periódico nacional 
243
7,2
Congresso nacional
59
59
Tese nacional
44
1,3
Congresso estrangeiro
14
0,4
Tese estrangeira
7
0,2
Documento eletrônico
2
0,1
Total citações
3383
100

Em termos numéricos a predominância de material estrangeiro - livros e periódicos - é realmente incontestável. Mas o exame dos títulos mais citados revela uma outra faceta. A lista de periódicos citados inclui 605 títulos. Mas 50% das citações se referem a um conjunto de apenas 23 títulos. E entre os 12 mais citados estão quatro títulos nacionais, inclusive a própria Revista de Estudos Políticos. Por outro lado, um conjunto de 275 títulos é responsável por apenas 1% do total das citações. Esses resultados comparados com os dados obtidos com a contagem de tipo de citação mostram que embora o tipo de citação mais freqüente seja de periódicos estrangeiros, os periódicos nacionais figuram entre os mais citados.

Lista dos títulos mais citados:
 
Títulos
Freqüência
% do total
American Economic Review
74
12,23
Revista de Economia Política
50
8,7
Economic Journal
44
7,27
Journal of Political Economy 
39
6,44
Revista Brasileira de Economia
36
5,95
Quartely Journal of Economics
32
5,28
Pesquisa e Planejamento Econômico
31
5,12
Econometrica
26
4,29
World Development
26
4,29
Journal of Monetary Economics
21
3,47
Journal of Economic Literature
19
3,14
Estudos Econômicos
17
2,80
Kyklos
17
2,80

Discussão
  A resposta à pergunta que motivou o levantamento é, por enquanto, bastante animadora. Ainda que descontemos a vantagem da auto citação (de periódico, não de autor) para a própria Revista de Estudos Políticos, tivemos, no levantamento, evidência que o periódico nacional tem penetração. O possível argumento de que os dados analisados são oriundos de um periódico sólido, que não sofreu interrupções em sua história, pode ser contra-argumentado com a presença de outros títulos nacionais também nas posições superiores da lista, pois os outros títulos brasileiros mais citados não apresentam vida tão estável. Seria então possível estender esses resultados aos demais periódicos brasileiros, isto é, potencialmente as publicações periódicas brasileiras têm audiência e um papel a cumprir?
Nas atuais condições de dificuldades em que se encontram tantos títulos, essa pergunta seria difícil de responder. No entanto, a tecnologia oferece agora, ao alcance de da grande maioria das entidades editoras, uma solução prática e eficiente - o periódico online, de acesso gratuito e formato não tradicional. Isto é, cada um dos nódulos do círculo vicioso poderiam ser rompidos, especialmente considerando-se que não se espera lucro da publicação científica, mas sim reconhecimento:
- a questão da dificuldade financeira da publicação: a publicação eletrônica tem custo relativamente baixo, especialmente depois de estabelecida.
- a  questão da afluência de artigos: o meio eletrônico não necessita ater-se aos formatos tradicionais de volumes e fascículos, podendo veicular artigo por artigo, a medida que são submetidos e aprovados pelos avaliadores;
- a questão da visibilidade e recuperação: a dificuldade de inclusão nos índices e periódicos de resumo pode ser minimizada com a inclusão de marcadores necessários para recuperação dos artigos pelos search engines, tornando-os visíveis e recuperáveis para uma audiência muitas vezes superior àqueles que conhecem o título
- a questão da distribuição, da mesma forma, fica resolvida.

Naturalmente, não se está afirmando que não existirão dificuldades. A qualidade de artigos, o rigor na seleção continuam tão importantes quanto antes e problemas relacionados com a questão do amadorismo na editoração científica e mesmo custo (que provavelmente aumentará a medida que a base de dados cresce) não desaparecem. Mas as oportunidades de solução aumentam, e uma vez rompido o círculo vicioso da estagnação, o caminho se abre mais promissor.
 

Notas:

[1]. Veja, por exemplo, fato relatado por Gibbs, 1995, sobre os Archivos de Investigación Médica, mexicano, que foi retirado da base de dados do Science Citation Index quando teve que interromper publicação por seis meses durante crise econômica no país em 1982 e até 1995 não havia conseguido ser reincluído. (p.77)

[2]. Merton, R K. "Priorities in scientific discovery: a chapter in the sociology of  science". American Sociological Review, v. 22, n.6, p.635-659. Jan 1957.

[3]. Refere-se a passagem do  Evangelho de sâo Mateus que diz: àqueles que têm, mais ainda lhes será dado, e aos que pouco têm, ainda este pouco lhes será tirado. (Merton, R K. The Sociology of Science. Univ of Chicago Press, 1973. p.439-459.

[4]. Por exemplo, Anais da Academia Brasileira de Ciências, 1929; Revista Brasileira de Biologia, 1941; Revista Brasileira de Entomologia, 1954, entre outros.

[5]. Mueller, S P M, Alvarenga, L. Panorama da produção científica brasileira veiculada em revistas nacionais. Parte 1: Economia; Parte 2: Educação. 1999 (em andamento)

[6]. "estrangeiro" inclui documentos publicados fora do território nacional e " nacional" indica documentos publicados em território nacional, independentemente da nacionalidade do autor, ou de ser tradução.
 

Referências:

Furtado, J S. Programa de publicações em Ciência e Tecnologia; s/e. 1982

Gibbs, W. W. "Lost Science in the Third World". Scientific American, p. 76-83, August, 1995.

Houghton, Bernard. Scientific periodicals: their historical development, characteristics and control. Hamden, Linnet Books, 1975.

Hoyos, L E A. Perfil das revistas brasileiras de Ciência e Tecnologia. Brasília, Embrapa, 1985.

King, Donald; MacDonald, Dennis D; Rodere, Nancy K. Scientific journals in the United States: their production, use and economics. Stroudsburg, Pen. Hutchinson Ross Publishing Co., 1981, 319p.

Kronick, David A. A history of scientific and technical periodicals: the origins and development of the scientific and technical press 1665-1790. 2.ed. Metuchen, N. J. Scarecrow Press, 1976.

McKie, Douglas. "The scientific periodical from 1665 to 1798." in: Meadows, A J, ed. The scientific journal. ASLIB , (ASLIB Reader Series 2) (Reprinted from Philosophical Magazine Commemoration Issue,p.122-32, 1948)

Meadows, A J, ed. The Scientific Journal. ASLIB, 1979 (ASLIB Reader Series 2)

Merton, R K. "Priorities in scientific discovery: a chapter in the sociology of  science". American Sociological Review, v. 22, n.6, p.635-659. Jan 1957

Merton, R K. The Sociology of Science. Univ of Chicago Press, 1973. p.439-459.

Mueller, S P M, Alvarenga, L. Panorama da produção científica brasileira veiculada em revistas nacionais. Parte 1: Economia; Parte 2: Educação. 1999

Valerio, Palmira M. Espelho da Ciência. Brasília, FINEP,IBICT. 1994.145p.
 
 

Sobre o autor / About the Author:
    Suzana Pinheiro Machado Mueller
   mueller@unb.br
    PhD, Professora Titular
    Departamento de Ciencia da Informacao e Documentacao
    Universidade de Brasilia
    Fax 0613684537